Era encarnado, mas já se confundia o do sangue e o que vinha do vinho tinto do jantar. O primeiro lugar escolhido, parecia uma bar escolhido para um filme sobre a inexistência de certos estilos de vida, dentro dos centros urbanos. Uma banda de rancho tocava, dois pares de casais idosos ocupavam toda a sala de dança situada no terceiro andar de um shopping, perdido entre a área velha e degradada da cidade e uns edifícios novos, cheios de novas e fortificantes ideias sobre o futuro do planeamento urbanístico, que demonstrava a antiga e sem resolução estratégia de recuperar o centro da cidade para as pessoas.
Mudou-se para a cerveja, a mistura no sangue apenas se notava pela transparência cristalina que começava a emergir, num torpor crescente que aparecia e pela renovação imobiliária que provocava nos olhos, e já se começava a acostumar ao ambiente pouco familiar do bar situado num terceiro andar, nas nuvens, ou pelo menos mais perto do céu.
Exigia-se uma actividade diferente, algo diferente a um bailarico, a gente folclórica, a outras e mais bebidas, a uma reviravolta, qualquer coisa que afasta-se o mau pressentimento.
Umas horas mais tarde dar-se-ia num bar, no centro mais movimentado da cidade, mas pouco visitado por ele, via o que lhe iria acontecer já para o ano. Grupo de conhecidos, desconhecidos, há menos de um ano, abraçados uns aos outros, a partilhar segredos, um a cantar karaoké, os outros a fazerem couro, mais um vodka (como se dizia em Budapeste pelo Adolfo) e a sala estava encarnada, como o sangue dele o era no inicio da noite, mas agora transformava-se em água límpida, com uma ou outra rodela de limão à deriva, como os corpos das pessoas que vagueavam pelos labirínticos corredores daquele sítio onde estava. Havia um longo corredor que estagnava sobre um pátio aberto para o céu, cheio de cadeiras e mesas, pessoas e animação, todas sob o olhar de uma cada vez mais escuridão, a da noite que os envolvia e os levava embalados, como suas crianças, seus rebentos.
O grupo continuava a dominar o palco, toda a gente tem direito aos seus 5 minutos de fama, mesmo que seja numa espelunca enterrada no meio de uma pequena cidade, sem ninguém conhecida ou que importe conhecer, mas que importa isso, fama é fama e isso é que conta. Um, dois, três, musica maestro… “Somewhere over the rainbow…”.
Muitas luzes piscavam, mais uma cerveja, outras pessoas conhecidas encontraram-se num mesmo local, não estabelecido à prior, falou-se do banal e do banalíssimo, mirou-se as novas miúdas que apareciam por estes subúrbios da mente, demonstrava-se o efeito da cerveja, devorava-se com os olhos, os dois, assim pensava ou queria ele crer, quando chegasse a casa e no dia seguinte se recordasse daquele momento, daquele afagar de olhos.
“Só mais um dia, só mais umas horas, não vai custar nada, passa rápido e volto de novo para a cama.” Despertador para as 8h50, o mais tarde possível, rezar para que acorde, o pai a dizer “achas que deves ir nesse estado?”, a torpeza do álcool afectava os reflexos de respostas tal como os músculos da língua e nenhuma resposta lhe ocorreu, riu-se, lavou a cara e os dentes, pegou numas cuecas e saiu pela porta fora. O carro queixava-se do seu desleixe “olha a gasolina, depois quem se lixa és tu”. Fez-lhe a vontade, entrou numa bomba de gasolina, alimentou as esperanças de uma vida autómata do seu carro repleto de sons e ruídos sem explicação e estacionou-o.
O chão parecia que se queria mover, pelo menos o que estava debaixo de si, tinha a nítida sensação que não queriam estar debaixo dele.
Fez o que tinha a fazer, ainda teve tempo de fazer os fazeres de um amigo atrasado pela doença do sono dos relógios de despertar, segurou a mão atónica de uma velhinha querida que queria estar sempre a chorar, mas ele não deixava e tentava angariar uns garrafões à pala, cultivados nas terras da senhora, repletos de uma bela pinga “gosta de uma bela pinga sr. doutor?”.
Fechou tudo com um sutura ampla e bem arejada, deus dois nós e foi-se embora.
“Amanha café?”
“Eu depois mando-te uma sms, não devo estar por cá e tenho que ir dormir.”
O seu ultimo dia.
sexta-feira, setembro 26, 2003
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