segunda-feira, outubro 06, 2003

Uma mão estranha, feminina, voava pela sua coxa, rente às calças...
Sinais do termino da noite eram mais que evidentes ou das possibilidades que ainda haviam disponíveis para usufruir, mesmo assim entrou ele com um amigo numa discoteca, já com as luzes acesas, a varrerem o chão, para além dos empregados, apenas sobravam os últimos quatros clientes.
Lá no meio, uma mulher, sua conhecia, não a esperava encontrar, mas como a noite é vivida dos imprevistos, olhou para ela, deu um passo em sua direcção e surpreendeu-a com uma afagar de cabelos e um sorriso, ao mesmo tempo que inclinava a cabeça para um dos lados.
Continuou pelo caminho que o separava do balcão e pediu duas cervejas,
“ainda servem? Eram duas cervejas bem frescas!”. O amigo dele conhecia o dono, de vez em quando passava lá música, em troca recebia bebidas à pala, sempre que lá aparecia não pagava o consumo mínimo e nas boas noites poderia escolher uma das “meninas” do patrão e ir para um dos quartos secretos, situado por trás do DJ.
Para além do álcool, era frequente a presença de haxixe, marijuana e se tivessem sorte, de umas linhas fornecidas pelo Caldas. O Caldas era apenas um conhecido, conheceu-o através do Folias, o amigo que o acompanhava hoje pelos despojos da noite. O Folias já era mítico emblema por estes círculos da noite. Era um amigo, um verdadeiro amigo, mas já não se lembrava o porque, nem o onde o tinha conhecido? Devia ser um desses amigos predestinados. Nos últimos anos, raramente andavam juntos, nesse dia deu para percorrerem os mesmos trajectos, farejarem os mesmos trilhos, fazendo companhia um ao outro, recordar velhas histórias, encontrar velhos conhecidos.
O Caldas, outro mito da noite, tinha sido companheiro do Folias, companheiro de banda, onde o Folias era o líder, a banda não era má, mas nunca deu em nada. Teve o condão de unir estas duas personagens, desde aí nunca mais pararam de se encontrar pela noite, regularmente, nos mesmos recantos que eles hoje percorriam, os refugos de uma grande cidade, os sítios de escape dos sítios banais repletos de pessoas ávidas de interesses publicitários, de show-off, de drogas apenas para meninos ricos que não sabem onde gastar o dinheiro, meninas ricas a fingirem que são virgem e que não gostam de falar dessas coisas, perdem a cabeça quando vêm algum sinal de ostentação, mesmo que fingido.
Era quente, a mão que lhe percorria o bolso das calças... que calor transmitia, mais intenso que todo o álcool bebido nessa noite...
Naquele momento ele não pensava em mais nada a não ser na cerveja, apenas nas muitas que já tinha bebido nesse dia, uma pequena gota no mar de cerveja que já era o seu corpo, afogava qualquer vontade, a língua batia na sua superfície e impedia uma normal fluência à conversação. A sua conhecida caminhava na sua direcção, ele não se apercebeu, não conseguia compreender que o movimento dela implicava, conduziria a um encontro, a uma conversa, a um roçar de sentidos, libidos e destruição.
Sentia a mão, mas ignorava na altura, que fosse a mão dela e o efeito que viria a produzir no dia seguinte,...
“olá! Por aqui?” enquanto o abordava com estas simples palavras, com que ele respondeu com um sorriso acompanhado de um seco “sim!”, não se lembrava de mais nada para dizer, a que ela já envolvia com “só a esta hora? Onde andaste?” e com uma mão lasciva que posou na sua nádega esquerda, percorreu diversas vezes de cima para baixo e recuava outra vez para cima, sem nunca realmente agarra-la.
Ele não se apercebeu da mão, não no sentido carnal, sentiu a mão, imaginou-a apenas como uma continuação da encenação de apresentação de uma máscara amiga para com um conhecido, ele estava mais preocupado em encontrar as palavras que melhor soariam em resposta à sua pergunta. Enquanto conversavam, começou a pensar na estranheza que era aquela mão, na sua nádega, nunca a tinha sentido, porque não a tinha tirado dali? Pensou ele.
No fundo devia estar a gostar, a sensação é sempre boa, uma mão quente, no final de uma noite igual a tantas outras que tinha tido nos últimos anos, sem destino ou paragem, muita inconstância, muito frio, e agora aquela mão quente, ardente de amor e paixão... ele não pensava nisso, não sabia o que pensar dela, simplesmente ignoro-a, sentiu que seria uma indelicadeza tira-la ou pedir que a tirasse, seria sempre bem vinda, quando quisesse e por isso apenas concentrou a pouca lucidez que já não possuía na conversa.
Ela pedia pormenores da sua vida, de hoje, os sítios, as pessoas, as mulheres com que tinha estado. Ele respondia, sentia-se liberto ao falar da sua vida perante uma mera conhecida, que de si nada sabia e talvez nunca mais viesse a ver.
Outro alguém observava os movimentos felinos da mão, por onde passavam, como a pedir que também a ele viesse aquela mão ardente...
Um dos homens que ainda permanecia na discoteca olhava-os de forma pouco amistosa, ele perguntou se ela o conhecia, a que ela respondeu:
“meu namorado! Mas não lhe ligues, acabei tudo com ele, assim que te vi entrar. Eu depois amanhã faço as pazes com ele. Ele é o meu pequeno cão de estimação, ladra, ladra, mas não morde, e sempre que lhe volto a dar comida, volta a correr, feliz e perdoa-me. Deve ser uma felicidade ser-se um cão!”
“um cão deve ser feliz” responde ele, sem realmente saber o que dizia, estas palavras produziram-lhe um arrepio eléctrico através da medula, semelhante ao de masturbação. A mão continuava lá, ele não reparava na altura, mas lembrar-se-ia no outro dia de manhã, que lá tinha estado a conversa toda. Já sentia o seu membro a endurecer, a vontade a crescer e pela primeira vez reparou, para além de olhar, para os imponentes seios que ela exibia, ciente da impotência dos desejos primários dos homens.
“tens material? Vamos fazer uma? Já há muito tempo que não fumo”
“ok! Conheço um sítio aqui perto, umas escadas. Vamos”
O Folias permanecia ainda com eles, juntou-se à peregrinação o Caldas, cada um com o seu desejo, secreto, de prolongar a noite eternamente. Assim que nos sentamos, o Caldas puxou de mais uma linha, snifou avidamente, depois, com o bater da droga no fundo da nuca, ofereceu, mas toda a gente recusou. A partir daí, falou sem mais parar, sobre tudo e mais alguma coisa, de uma forma tão clara e lúcida, que ofuscava os outros na sua embriaguez, como os primeiros raios de luz rasgavam a escuridão da noite, que teimava em prosseguir pelo dia a dentro.
A mão já lá não estava, mas ainda sentia o calor...Acabou a cerveja de pénalti, rodaram a cena e a luzes mudaram de cor, os corpos começaram a flutuar pelas ruas da cidade. Já ninguém ouvia o Caldas, a sua voz foi-se tornando numa suave musica de fundo, que fazia a banda sonora dos filmes que eram exibidos à sua frente, naquela hora da madrugada. Uma pizza picante numa pequena padaria ao pé da sua casa, percorreu o trajecto até ao rio e ... Lembra-se apenas de estar sentado na borda do rio, observar o nascer do sol, mandar bocados de pizza sem nada para as tainhas lá em baixo, simular que ia fazer a travessia nesse momento, apostas, luz e mais luz.. muita confusão.
Acordou com a boca seca ao som de uma mensagem no telemóvel:
“porque te foste embora ontem sem dizer nada? pensava que íamos passar a noite juntos! Parvo. Aparece sempre. bjs. Conhecida”
Não se lembrava muito bem do que tinha acontecido depois do charro fumado, não se recordava de ter estado com a sua conhecida, se a tinha levado a casa ou não, se a tinha beijado, se tinha feito alguma promessa.
A mensagem confirmava a existência, não só etérea como física da mão, e da conhecida, mas será que realmente a mão era dela?
Doía-lhe a cabeça, tirou o som do telemóvel, para não o incomodarem mais hoje, não estaria vivo para ninguém, bebeu um copo de coca-cola e rezou para que o dia passasse depressa, infelizmente, porque no dia a seguir trabalhava. Tomou uma aspirina, despiu-se e vestiu o pijama. Ao tirar as calças, reparou numa mancha na parte de trás das calças, na zona do nadegueiro esquerdo. Tinha a forma de uma mão, ainda estava quente, tantas horas depois... adormeceu aconchegado a esse sentimento, ainda havia esperança para ele, ainda conseguia sentir os pulsar dos sentimentos através de mãos alheias, desde miúdo que era assim.
Nunca mais viria a mulher conhecida, nem sentir a mesma mão, chegou a passar várias vezes na mesma discotecas, mas nada. A mancha, nas calças, foi desaparecendo, a memória dela também, mas outras tiveram a oportunidade de aparecer, vezes sem conta, umas sobre as outras. As calças contavam a história da vida dele.

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