segunda-feira, novembro 03, 2003

Serpente... de cor laranja (pt IV)

Mais ao fundo passava uma camisola branca, umas calças de gang ajustadas à silhueta da rapariga, me eram conhecidas, mas não sabia se a devia ir cumprimentar, queria encontrar alguém com quem falar, ela provavelmente queria outra coisa, não me apetecia nada. Deixa-a ir embora. Desapareceu atrás da multidão e de uma voz loura que começou a falar comigo. “estou a ser seca?”, e eu a pensar, seca porquê? Já cá estavas antes? Eu conheço-te de algum lado? Já sei, és amiga ali do meu amigo. “não, não estás a meter seca”, disse eu, tentando não trair a minha frase com a expressão da minha cara, “é que se tiver diz-me. Prefiro que sejam sinceros comigo”, disse-me ela com um ar demasiado louro das anedotas, que não queria acreditar, devia ser da neblina que andava a ofuscar os meus sentidos. Ela continuou a falar comigo, desta vez ouvia, mas preferindo não o fazer, se tivesse opção, apenas pensava em estratagemas de dali sair, sem ofender muito a rapariga, fingir que ia à casa de banho, buscar uma cerveja, que já não queria, falar com mais alguém. Desesperadamente procurei por socorro, nada via que me pudesse ajudar. A serpente estava muito longe e já não possuía poder de atracção, os outros amigos estavam ocupados em conversas com outras pessoas. Fingi estar demasiado intoxicado e que estava bem sozinho a olhar para o zen, a pensar no vazio, mas ela continuava a olhar para mim e a debitar conversa. Eu apenas acenava e dizia um fabuloso “hum, hum”, com diversas entoações, para dar a entender diferentes coisas.
Se calhar é melhor ir para casa, pensei eu para mim, já não consigo suportar durante muito mais tempo. Como a gota que caiu do telhado, inesperado no meio da minha testa, a cerveja que um camarada me ofereceu, foi uma dádiva que agradeci a deus, tal como os agricultores o fazem na altura das secas. Agradeci veementemente ao camarada, fui atrás dele a fingir que queria mais cerveja, falei com alguém que não conhecia e saí dali para fora, estava safo daquele brilho ofuscante de palavreado sem sentido ou nexo.
A neblina voltou a tomar posse da minha alma conturbada de tóxicos variados, alguns que entram pela boca, outros pelos olho e ainda os que têm apetência pelos ouvidos. Insistiram toda a noite e conseguiram entrar, dela, a noite, apenas restou o cansaço, a cabeça pesada e algum estuporação, que não desanuviou com o decorrer do dia seguinte. Para além das consequências banais, ainda permaneceu a visão daquela linda serpente cor de laranja, com um cabelo curto, lindo de morrer, uns lábios de cor avermelhada, húmidos, num sorriso estagnado, ao meu olhar e duas luzes brilhantes a olhar para mim ao som de “I should have kissed when I was sixteen”, a desejar que tivesse dezasseis anos.
(acho que é o fim)

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