terça-feira, julho 20, 2004

A Rapariga da Varanda da Frente

by Me
 
Via-a novamente na pequena varanda a fumar um cigarro e a observar o que se passava naquela pacata rua de Lisboa. Não sabia o nome dela, de onde vinha ela, não a conhecia. Eram uns desconhecidos vizinhos que tinham a particularidade de terem as suas janelas viradas para a casa de um e do outro. O prédio dela era cor-de-rosa, descorado com umas pedras brancas que perfaziam umas pequenas varandas, situava-se no lado direito de quem descia pela rua, enquanto o dele era na esquerda, num dos prédios em fila, todos iguais, todos esverdeados por uns azulejos em que figuravam milhares de flores. Entre as duas janelas havia uma imensidão de espaço ocupado, em baixo pois cada um vivia no primeiro andar do seu respectivo prédio, pela rua empedrada e pelos muitos carros mal estacionados em cima dos passeios, não deixando que os peões pudessem usufruir dele.
A varanda dela era ligeiramente mais elevada que a dele e por isso possuía uma melhor visão para o interior do seu quarto ao passo que ele apenas conseguia distinguir candeeiros e luzes reflectidas no tecto.
Não se conheciam, nem se falavam mas trocavam constantes olhares desde há algum tempo. Parecia um jogo com a intenção de enganar o tédio e a solidão que as grandes cidades provocam nas pessoas, sempre muito pequenas dentro delas.
Ele não fumava mas desejava ter algo mais que uns prédios e uma rua estreita para o distrair nos tempos mortos. Sendo a única que possuía, desfrutava-a dentro da medida do possível e há já algum tempo que tentava perscrutar a vida que existia nela. A rapariga, que constantemente surgia na varanda a fumar, tinha sido um achado, um rebuçado para a vista, uma surpresa agradável. Não a conhecia mas sentia-se a apaixonar por aquela silhueta que apenas admirava em fugazes olhares de esguelha, com medo de intimidar a frágil aparição e ela desaparecesse. As passagens pela sua janela já se faziam na tentativa de a captar na sua varanda a fumar. Em coincidência com os seus desejos, foi-a a encontrando com uma maior regularidade no sítio que conscientemente nunca tinham marcado como local de encontro.
Hoje que olhava para ela pela primeira vez, apetecia-lhe meter conversa com ela, convida-la para tomar um chá e sentar-se ao lado dela na sua varanda. Havia um grande problema para a execução do seu desejo, como é que deveria provocar uma conversação sem causar uma primeira má impressão? Nos múltiplos contactos que tinham tido até agora nada exigia mais que o contacto visual diário. Ambos não eram mais que um quadro situado na parede do quarto do outro e que gostavam de olha-lo pelo menos uma vez por dia. No meio deste turbilhão de ideia olhou fixamente para ela, sem estar consciente que o fazia. Reparou que ela também o olhava (ou para dentro do seu quarto) e que prontamente desviava o olhar. Como ele permanecia a olha-la fixamente reparou que ela tentou olha-lo, furtivamente, por diversas vezes mas ao notar que ele continuava a observa-la, voltava a fixar os seus olhos noutro ponto qualquer da rua, desejosa que ele também o fizesse para que ela o pudesse observar calmamente. Era mais que óbvio que ela não queria ir para dentro de casa e esconder-se daquele olhar e que hesitava em começar a falar mas nenhum som lhe saía da boca.
Olhou para dentro do seu quarto e verificou que tinha uma mensagem nova no correio electrónico. Ao lado computador estava depositada uma das suas máquinas fotográficas e pensou imediatamente que a silhueta da rapariga contra a parede cor-de-rosa do seu prédio daria uma excelente fotografia e o início de uma bela estória. Ignorou a mensagem e pegou na máquina ao mesmo tempo que se virava para a janela. Já na janela olhou directamente para a varanda dela e encontrou-a no mesmo sítio, provavelmente já a fumar um outro cigarro. Ela esboçou um sorriso, pelo menos diria que lhe parecia um sorriso. Pousou a máquina no parapeito e olhou para ela e ao reparar que ela lhe olhava nos olhos, sem os queres desviar, perguntou:
“Desculpa, posso tirar-te uma fotografia?”
 
by Me

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