“Podes-me encontrar no jardim, isto se não chover!”
Sentado sobre a relva, escassa, que existia naquele jardim que se auto representava mal, com as suas pernas dobradas, o tronco ligeiramente inclinado para trás apoiado sobre os dois braços. Baloiçava as pernas ao som de uma música imaginada na sua cabeça e que quase cantarolava baixinho.
Os seus olhos estavam escondidos por detrás das pálpebras, contra o sol que fazia naquela tarde. A cara estava virada para o mesmo lado, a provocar com que os olhos encerrados dentro das suas órbitas recebem a maior quantidade possível de luminosidade, tal como um girassol.
“Podes-me encontrar no jardim, isto se não chover!”
Ao seu lado sentou-se alguém. Pressentiu. Virou a cabeça na direcção dela e destapou os olhos castanhos e observou.
Não conhecia.
“Ouvi dizer que te podia encontrar aqui. No jardim.”
“É verdade. Não está a chover.”
Não a conhecia mas esta sabia onde o encontrar. É sempre bom saber onde se pode encontrar alguém, nem que seja só o seu corpo.
“Estás aqui há muito tempo à espera?”
“Nem por isso…acho que não…”
Nunca a tinha visto mas estava a gostar de falar com ela. Na verdade não falava com ela mas sim com a outra pessoa da qual estava à espera e tinha combinado mas ainda não tinha aparecido. Ia dar ao mesmo.
“Acho que estou à espera toda a minha vida.”
“A sério? De quê?”
“Sinceramente não te sei dizer.”
“Porquê?”
“Porque também não o sei.”
Que mais te posso dizer? Que mais se pode dizer quando se está meio sonolento por entre os raios de luz, não se tem medo de cerrar os olhos, de ignorar o mundo dos homens por breves momentos, escutar a relva crescer a toda a nossa volta e o vento que nos sussurra segredos. Que mais te posso dizer?
“Está-se bem aqui.”
“É verdade. Ainda bem que apareceste.”
“Ainda bem que ainda cá estavas.”
Eu sei que não és tu que aí estás mas para mim é como se fosse, a culpa não é minha. Foste tu que não compareceste no jardim, pois não está a chover. Por isso falo para ti através desta pessoa que me faz companhia neste mesmo jardim. Eu sei que me podes escutar através dela. Estou seguro disso.
“Tenho que ir. Já é hora de tomar a minha medicação.”
“OK. Amanhã, se não estiver a chover, podes-me…”
“…encontrar no jardim. Eu sei.”
Ele sabia que ninguém tinha aparecido. Tudo tinha surgido da sua imaginação. O sol continuava lá, bem lá em cima e no jardim só restava o seu corpo, agora estendido ao comprido.
Recusou-se a abrir os olhos e procurou adiar aquele momento. Podia ser que alguém ainda viesse ter com ele ao jardim.
“Podes-me encontrar no jardim, isto se não chover!”
quinta-feira, março 10, 2005
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