segunda-feira, outubro 03, 2005

pequena demais para aquela cadeira

Sentada numa grande cadeira, se calhar engano o leitor, ela é que era pequena demais para aquela cadeira, olhava para o mundo com medo que ele a devorasse.
A sua reacção era instintiva, detestava-o, o mundo, e fazia tudo para que ele a ignorasse ou estivesse sempre muito distante dela. Queria-o destruir, pilhar, fazê-lo desaparecer mas sabia que a sua destruição implicava também a sua e por isso tinha que se conter nos seus ímpetos. O contrário já não acontecia, o mundo era alheio a ela, o que tornava o seu ódio em cólera enraivecida perante aquela massa imponente que dispensava a sua existência. A inveja crescia nela nesses momentos em pensava sobre o mundo e elaborava o melhor plano possível para destruir um pedaço desse próprio mundo. Partia uma janela, esbofeteava um transeunte sem nenhuma razão, roubava uma carteira a uma velhinha e ainda lhe dava um pontapé nas canelas, roubava um rebuçado a uma criança e atravessava as passadeiras quando o sinal para os peões ainda não tinha ficado verde.
Olhava para o que a rodeava, sentada na cadeira que a fazia ficar pequena, para as grandes pessoas que exigiam a sua atenção. Não podia dar a face, esse era um dos maus ensinamentos da bíblia, desde a primeira vez que executou esse ensinamento que nunca mais repetiu a graça e desacreditou por completo os livros com pensamentos sagrados. Nesse dia perdeu a inocência que persegue a infância. Tinha ela a idade de cinco anos. Obrigou-se a ficar dura, distante, insensível e superior perante os outros. Era tudo uma fachada mas ninguém para além dela precisava de saber disso. Para alguém atrair a sua atenção, pelo menos a aparente, pois ela reparava em tudo que a rodeava antes de qualquer pessoa se aperceber que ela existia, o que lhe dava uma certa vantagem, era necessário considera-la como algo posado em cima de um pedestal e que deveria ser tratado como um objecto sagrado e venerado. Só depois é que ela prestaria atenção à pessoa. Mesmo assim enganem se, ela nunca tratava ninguém como se de um igual fosse. Tratava todos abaixo de cão para, como ela dizia:
“Saberem perfeitamente quem é manda e quem é que dita as regras.”
Por detrás daquela pequena figura que se achava venerada e tímida como um ditador, existia uma enorme vontade de viver e rir-se com as pequenas coisa da vida. Lembrava se de como tinha sido feliz até aos seus cinco anos, mas poucas memórias restavam ainda dessa altura e por isso via-as como um tempo há muito passado. Gostava de repetir esse tempo mas não ousava mudar a sua atitude perante a vida, pois o mundo aguardava essa pequena distracção para a devorar e isso aconteceria caso saísse da prisão que tinha construído para si mesma como protecção. Ela ignorava que o mundo era alheio a essas coisas dos homens e que nada faria, mas ela nada disso sabia.
Ela continuou sentada na sua grande cadeira, ou pequena demais para aquela cadeira, ou desajustada para aquele papel mas ignorava isso tudo e nem sequer queria saber disso. Continuou a olhar as outras gigantes pessoas que na verdade a rodeavam e a assustavam mas que ela não podia demonstrar isso, era o acordo.
Mais um dia passou e ela continuou infeliz dentro da sua carapaça, por si construída, ignorando que o mundo não lhe queria fazer mal, pelo menos não particularmente a ela, ele era alheio a isso, ele era agressivo de uma forma uniforme para todos e que todos se encontravam na mesma situação. O mundo era alheio a todos esses seres, que nada disso sabiam e fingiam tudo saber. E mais um dia passava nesse grande mundo, onde pessoas viviam com medo e assustadas pelos outros seres com quem partilhavam esse mundo, sem saberem porque o tinham.
Ela mudou de posição e passou a ocupar o outro lado da cadeira, fria, e reparou que mudou por completo a perspectiva que tinha sobre o mundo…ele era-lhe hostil e…odiava o por isso! Continuava!

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