I want to be like a Rolling Stone
De saída, na gíria “queimar os últimos cartuchos”, aproveitar o que ainda é possível, reviver os últimos anos, passar pelos sítios onde esteve vezes sem conta, esperar o previsível, os hábitos que tomaram de assalto as rotinas do quotidiano.
6h30, um copo na mão, alguém a fazer um charro, dois corpos tombados, uma dúzia sentada nas escadas de uma Sé, já Velha, luzes de um amarelo baço se espalha por entre o respirar dos corpos que ali se aglomeraram na inexistência de um outro sítio onde descansar a carcaça esgotada.
Conversas desconexas, fragmentadas por muitas mentes, cortadas com outros ruídos, carros que passam com mais pessoas perdidas, mas conhecidas, musica dos anos 50 sai pelo espaço provocado pela abertura de uma porta.
Lá em cima, uma moldura autentica, uma sombra velha possa os seus olhos nos “arruaceiros bêbados” que ocupam a entrada de lugares sagrados, “arderão no inferno”, diz ela e como força já não existe para lançar baldes de água, fica apenas pelo pensamento transmitido através da experiência pictórica do cenário: último andar, uma janela aberta, uma luz amarela, mais pálida que a da rua, que sai por trás de uma sombra, escura e velha.
A vida continua na rua, o aglomerado respira, fundo e outros vapores, alguns reclamam o pagamento roubado, algumas pedras já rolam pelas estradas abaixo, o descanso só virá dentro de 24 horas, entretanto a folia dança ao som de uns velhotes com 60 anos e muito dinheiro, o sonho de um qualquer puto de 15 anos, viver para a música, copos, drogas, gajas e muito rock and roll, ser-se um monstro do Rock. Andar nas bocas de outros iguais a eles, ser revivido através de histórias ficcionadas sobre as suas próprias vidas, dos seus abusos, da sua capacidade de se re-inventarem, de surgirem novamente na ribalta, bater no fundo e conseguir voltar à tona, outra vez, vezes sem conta, com novas histórias por contar, sobre drogas, sexo e rock and roll. O sonho!
“vais amanhã?” pergunta ele, “aonde?” respondo eu, “aonde?? Aonde??” responde-me ele com traços de gozo e desilusão estampados na sua face, “não, não! Não gosto e não tenho dinheiro”.
Material incandescente invade-me o casaco e pede desculpa através de um sorriso lindo, uns olhos que atravessam as próprias tripas e despedaçam o coração, apaixonei-me, mais uma vez esta noite. Quando reparo já seguia um outro rapaz, e caí, desamparado, sem espaço entre mim e o chão. O copo resistiu à queda e não se tornou em mil e um bocados, permaneceu como estava, semi-vazio, emborquei o que restava e pedi mais.
“the ring of fire” batia na ponta das sapatilhas, um impulso irresistível de dançar e cantar, um palhaço, que em tempos já se mascarou em palco de travesti underground decadente, também já fez um sacrifico com uma cabeça de porco, já se sacrificou com sangue – a imitar Diamanda Galas - mas o sangue também fazia performance e chamava-se ketchup. Hoje, o palhaço, apenas exibia os seus dotes africanos no topo da mesa de mistura, girava ao som dos 33 rpm do prato e grunhia sons guturais, típicos de um embriagado, tornado compreensível através de um estado de espirito semelhante.
Mais um que parte e não sabe se volta, se quer voltar, se vale a pena, se realmente chegará ao destino. Um copo de vinho branco para apagar a ausência futura e relembrar mais facilmente o passado. Por outro lado, mais um sítio que posso visitar e ter alojamento à pala, ao menos nem tudo pode ser visto de uma forma pessimista.
O cansaço pesa cada vez mais no aglomerado sentado na Sé Velha, os corpos deslizam com o peso da gravidade vagarosamente para o fim da escadaria, e da noite, uns primeiros raios, muito ténues, aparecem a rasgar o céu, os caminhos precipitam-se em direcções opostas, a prática não confirma a teoria e mais uma noite falhada transformou-se num evento estimulantemente decadente, com algum kitsh à mistura, mesmo sendo semelhante e não inovador, sempre diferente.
No final de contas perdi-me do suposto, mas na verdade nunca estive desorientado, apenas divergi do padrão anteriormente traçado. Tudo começou numa mera sandes de panado, ingerida ainda em casa, sozinho, quando era suposto não existir e em vez disso ingerir um prato barato numa qualquer tasca regada com o tinto da casa e uma dor de cabeça segura no dia a seguir, resistente à velha aspirina e ao novo gorozam...
segunda-feira, setembro 29, 2003
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