quarta-feira, outubro 22, 2003

A Notícia Anunciada II

Com o passar dos anos e contrariamente às outras pessoas, pelo menos a grande maioria, esta pequena espera por algo que realmente não sabia materializar, apenas suponha, tal como a existência de Deus, acreditava verdadeiramente, tal como um crente, que ela viria um dia. Tocaria à sua companhia, anunciava o nome, igual a todos os outros, subiria as escadas, passaria pela porta de entrada, indiferente e dentro do seu covil haveria de dar a sua verdadeira cara.
Não pensem que ela tenha um corpo, que seja uma homem ou mulher, pode bem ser um mero telefone, com um dos seus toques polifónicos, um ecrã mais luminoso que um candeeiro, a piscar de alegria, um número não identificado (até podia ser do seu melhor amigo) a chamar pelo dono, para depois… o apanhar de surpresa. Ela, a notícia, viria um dia, de algum modo, de alguma forma, ele tinha a certeza, “ela virá! Só espero que não me apanhe desprevenido!”.
Assim vivia ele o dia a dia, esperando, mas por mais estranho que seja esta sua obsessão, ele consiga ter um emprego estável, aparentar equilibrado nas suas relações pessoais, tinha uma namorada, de longa data – os amigos apenas estranhavam a razão por ainda não terem casado e viverem em casas separadas - , não tinha amantes, gostava de viajar, não tinha problemas de dinheiro e tinha um aspecto mais que aceitável – enquanto jovem tinha sido assediado por algumas raparigas, as suficientes para lhe darem alguma auto-estima.
Raramente falava sobre isto com alguém, aflorou o assunto um par de vezes à namorada, aos pais e aos amigos – a estes em ocasiões festivas, quando ainda tinha idade para aguentar o respirar nocturno da cidade -, mas deparou-se sempre com um muro de incompreensão, por isso foi-se fechando cada vez mais dentro de si. Dialogava apenas consigo mesmo ou com algum livro que abordava temas semelhantes. Houve tempos em que procurou nas bibliotecas livros especializados nesses assuntos, mas nada havia, apenas alguns romancistas e poetas, mas realmente não os conseguia entender e por isso desistiu.
A cada tentativa falhada, mais um tijolo era colocado no muro que o separava dos outros. Cada vez se sentia mais isolado, parecia que aquele era o seu pequeno segredo, que por mais que tentasse, ninguém o ia compreender.
O tempo fez o resto, e o ultimo tijolo do muro foi posto e nunca mais, a partir daí, falou sobre ela, a notícia esperada, com alguém.
(continua)

Sem comentários: