Um dia, ao ver o pai atender um telefonema e franzir a testa, uma luz se fez na sua cabeça.
Tinha uns 14 anos, nada ainda sabia da vida, brincava ainda ingenuamente sem pensar em recompensas ou malícia e o telefone tocou. Como estava perto e já tinha a autorização para o atender, pegou no telefone e disse “está?”. Do outro lado um arfar pesado, uma hesitação e de repente “o teu pai está?”, áspero como a lixa, rude como o bater de um martelo em cheio num pedaço de aço maciço, assim era a voz. Teve medo daquela voz e do que vinha atrás. Deixou cair o auscultador e deu um passo atrás. Do lugar onde devia estar o ouvido saiam sons cavernosos, imperceptíveis de ser reconhecidos como humanos. Correu depressa a chamar o pai. O pai veio ao telefone, pareceu reconhecer a voz, por ter feito um sorriso quando perguntou quem era. Depressa o sorriso derreteu-se numa face sombria, escura e cansada. Se não tivesse presenciado a cena, não acreditaria que a face de uma pessoa pudesse envelhecer tanto em segundos.
Desde esse dia que começou a olhar o pai com desconfiança. Nunca soube o porquê daquele telefonema, mas acreditou que mudou por completo a vida do seu pai, e com medo que isso também acontecesse ao seu filho, nunca lhe contou nada.
Essa insegurança foi crescendo e deu origem à sua ansiedade actual, assim crê ele agora, tudo começou naquele dia do telefonema, daquela voz cavernosa, inumana.
Uma vez perguntou ao pai sobre isso, mas ele disse que não se lembrava de nenhum telefonema em especial, que nunca tinha recebido nenhuma notícia que lhe tivesse afectado a vida, não de uma forma tão violenta como o filho lhe queria fazer crer. Desviou a conversa para uma consulta de psiquiatria para o filho, que ele andava com paranóias, que devia andar a ver muitos filmes americanos sobre conspirações e extraterrestres.
Por mais que quisesse, nunca conseguiu realmente acreditar no pai, ainda aflorou a mãe, mas ela de nada adiantou e quase vez o mesmo julgamento que o seu pai, “estás a ficar doidinho!”.
V.
Hoje que tinha uma carta em sem remetente, apenas com o seu nome escrito, sem endereço, sem selo. Foi directamente posta na sua caixa de correio, pensou ele.
“O que terá lá dentro? Quem foi que me a mandou? Terei coragem em abri-la ou devo-a queimar?”
Não sabia o que devia fazer, demasiadas dúvidas tinham ficado na sua vida sem respostas e nada o ajudavam agora.
Sentia medo, mas ao mesmo tempo ódio, queria puder resolver aquilo de uma vez por todas.
“E se não for aquilo que estou à espera? Continuarei à espera eternamente?”
Os dias foram-se passando, a carta continuou no mesmo sítio onde a tinha deixado, em cima da mesa da sala, poderia um dia esquece-la e continuar a sua vida, pensava ele.
FIM
quinta-feira, outubro 23, 2003
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