sábado, novembro 01, 2003

Serpente.... de cor laranja

Olhava e tornava a olhar, mas tudo parecia uma grande névoa para os meus olhos. Conseguia distinguir espectros de pessoas, nunca no mesmo sítio, sempre a pular de um lado para o outro, a abanarem-se, as suas silhuetas eram mágicas, autênticos sebastiões que surgiam num dia de neblina e a luz que batia por detrás deles, apenas ajudava a criar este ambiente irreal para os meus olhos. Eles, os olhos, estavam isolados num lago vermelho, ao centro uma ilha, escura, onde se abriam as pupilas, dilatadas ao máximo, a tentarem enxergar alguma coisa no meio de toda aquela movimentação.
Sabia que tinha vindo acompanhado, ainda restavam duas pessoas, mas nesse momento muitas mais povoavam a minha mente, mas não sabia realmente distinguir quem era quem. Alguém me pôs algo molhado na mão, parecia um copo de cerveja, e era - já o tinha levado diversas vezes à boca para confirmar. Na outra mão havia mais, não era cerveja, mas também metia há boca e passava há pessoa do lado, sem perguntar se a conhecia.
Houve uns flashes no meio daquele caos espacial, alguém a imitar o Ian Curtis, “I should have kissed you when I was sixteen”, outros a bater com força na bateria, onde agora mostram as pernas, o rabo e as mamas, dantes pulavam e suavam as suas t-shirts, em frente ao projector, agarrado a alguém que antes não passava de uma admiração. Mas tudo isto passou depressa e não deixou rastos visíveis porque aquilo estava lá, mexia-se, como a serpente que captou a atenção de Eva e a iludiu a comer do fruto proibido, daí a nossa queda para ele ser sempre o mais apetecido. Esta é a génese que orienta a acção e escolhas humanas.
Algumas semelhanças, agora, atravessam o meu cérebro, existe sempre uma analogia e esta era mais que óbvia. A serpente transformou-se num cachecol laranja, enrolado, tal como os animais da sua espécie tão bem o sabem fazer, no pescoço de alguém, o fruto apetecido, neste caso, uma mulher. Mas não era ela, a mulher que me atraía, era a serpente, o cachecol, que me hipnotizava, obrigava-me a estar sempre a olhar para ela, sempre na sua dança, a dança da atracção dos corpos. Pensava que era o único que me tinha deparado com aquele troque baixo, mas eficaz de cativação, mas num dos poucos momentos de lucidez, dentro das possibilidades visuais que a névoa permitia, reparei que ao meu lado se encontravam os meus dois amigos resistentes, ambos a olhar para a mesma serpente cor de laranja, hipnotizados pela sua dança e língua bífida.
(continua)

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