Diziam que era mais perigoso que ser bófia. O número de pessoas acidentadas e mortas na sua profissão era bem maior que a dos polícias e militares juntos, e estes tinham um número de efectivos bem superior. Tudo isto vinha escrito no jornal desse dia.
Sentia-se orgulhoso. Trabalhava no emprego mais perigoso do seu país, apesar de ninguém o suspeitar. Ao mesmo tempo sentia algum receio a crescer dentro de si porque nunca tinha pensado no seu trabalho sob esse prisma.
Tinha uma mulher, filhos e uma sogra para sustentar, o que já era difícil, mas mesmo assim conseguia guardar um dinheirito para distribuir por algumas mulheres de afecto que existiam em todo o lado. E muito necessitava ele delas e dos seus carinhos em algumas situações da sua vida profissional. Eram excelentes companhias temporárias. Não via nisso qualquer tipo de traição. Eram apenas as vicissitudes do ofício e aceitava-as calmamente como tais.
O que seria delas todas se ficasse estropiado ou mesmo morresse? Provavelmente a mulher teria que rumar pelos mesmos trilhos dos das mulheres de afecto e talvez até mesmo a sua filha de apenas doze anos. Mas isso é que não. Uma mulher sua, e filha, nunca seriam uma dessas rameiras. A sua filha não podia abdicar do sonho que ele e a sua mulher tinham construído por ela, o de tirar um curso superior que lhe proporcionasse uma vida melhor que a deles.
A notícia no jornal tinha-lhe feito relembrar um episódio, cómico para si, ocorrido há apenas uns dias com um estrangeiro que viajava no autocarro que tripulava.
Ele, como sempre, devido aos anos de experiência, conduzia tranquilamente pelas sinuosas estradas que unem Cusco a Lima. Como Cusco se situa no meio dos Andes, a estrada, principalmente os primeiros mil quilómetros, é particularmente conhecida pelas suas intermináveis curvas. Como agravante, nem toda ela está alcatroada. Ele já fazia esse percurso em piloto automático, conhecia todas as curvas, as mais perigosas, onde estavam os buracos ou onde tinham trocado de sítio, onde podia acelerar e onde devia travar. Orgulhava-se de ser o único motorista sem qualquer acidente naquela estrada. E não era por andar a passo de caracol, pois conseguia ser quase tão rápido como os mais rápidos. Não detendo o recorde do percurso, já tinha conseguido andar lá muito perto.
O turista daquele dia devia estar mesmo assustado. Suava, encontrava-se muito pálido e apenas articulava umas meras palavras, sempre as mesmas:
“Tengo miedo de la velocidad!” não conseguia parar de as repetir.
Devia estar realmente cheio de medo, para além dessas palavras proferidas em castelhano, mais nada disse. Ficou sem saber se o turista sabia falar mais alguma coisa para além delas. Como consequência da grande ansiedade sentida por este estrangeiro, que não dormiu nada durante as dezasseis horas de viagem e ainda por cima de noite, fez-lhe companhia até Lima, sentado ao seu lado na cabina do motorista, bem agarrado a uma barra na porta, não despegando dela até o autocarro ter parado no seu destino. Crê que a barra era como o fio que unia aquele homem à vida, se a largasse morreria seguramente.
Este episódio era-lhe relembrado pela notícia de hoje.
A sua mulher chegou a casa e desconcertada por o ver a reflectir, algo raro nele, perguntou de imediato “Qui pasa hombre?”
Ele hesitou por momentos, tinha sido apanhado de supressa pela sua mulher e não estava a compreender a pergunta. Não contava que ela o visse com um ar preocupado, para disfarçar, rapidamente transformou a sua cara num sorriso descontraído e gritou:
“Mira, mira la notícia. Diz aquí que la profición más peligrosa del Peru es a de motorista de vehículos pesados e de pasajeros. Imagina iso, yo que ya trabrajo a más de veinte años e nunca a tenido un accidente. Estés periódicos están siempre inventando mentiras, no tiene nada más para dicer, tal qual los políticos. Son todos iguales.”
domingo, janeiro 25, 2004
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