Despiu o roupão e admirou o seu desnudado corpo. Pouco tinha para admirar, à excepção dos olhos que permaneciam com aquele brilho que tantos homens atraiu, o resto mostrava os sinas da passagem do tempo, dos homens, dos excessos, do sol e do frio. Toda ela era um acumular de mazelas – já nem a maquilhagem as conseguia disfarçar.
Os seus seios eram descaídos, na cara as linhas de rugas, já profundas, ocupavam cada vez mais espaço, o cabelo começava a dar ares de menor abundância e a perder a sua cor natural – havia já alguns anos que o pintava – e a celulite reinava nas suas coxas.
Farta de ser ver ao espelho e atrasada para o seu espectáculo – como sempre -, apressou-se a vestir a roupa, maquilhar-se e a aquecer a voz.
A plateia estava composta mas longe de estar repleta, como nos velhos tempos onde a sua voz – juntamente com o seu esbelto corpo – atraíam todos os tipos de pessoas da cidade, como dos arredores.
Ao contrário daqueles áureos dias, hoje já não necessitava de usar o seu charme e dotes físicos para ter o que queria. Com o estatuto que tinha adquirido ao longo dos anos no ramo, o suficiente para ter algumas colaborações com artistas de renome, não precisava de se vender às regras das influências para ter o seu ganha pão.
Outra grande vantagem dos dias que corriam é que podia dormir com os homens que realmente gostava e apaixonar-se sem se ter que preocupar com a sua carreira. Mas durante as suas duas décadas de carreira tinha perdido os seus atractivos e muitas paixões, todos jogados porta fora durante a viagem que tinha decido como o caminho da sua vida. Não estava arrependida com as suas escolhas mas ainda não tinha uma opinião sobre se tinha valido a pena ou não, nem sequer queria pensar sobre isso. “Mais vale a ignorância do que as certezas que nos magoam mais” dizia ela sempre quando se referia ao passado e à sua análise.
A única coisa certa e segura na sua vida de hoje é que era cada vez mais difícil encontrar um homem que lhe agradasse e não a enfadasse após o primeiro minuto e os que a interessavam não tinham o menor interesse nela – na sua grande maioria eram gays que andavam pelos mesmos meandros que ela.
Enquanto actuava, sentada no meio do palco acompanhada por um piano e contrabaixo, observava a plateia e apesar de encontrar um ou outro homem atraente e que possivelmente teriam o maior prazer em passar a noite com ela, não via em nenhum deles interesse suficiente para qualquer tipo de contacto. Hoje não estava interessada em ter apenas puro sexo.
Cantou a última música, segura que acabaria a noite sozinha na sua cama, apenas rodeada pelos seus gatos e não lhe custava imaginar esse futuro.
Despediu-se do público e não acedeu a mais um pedido de encore. Hoje estava cansada, da vida também.
No dia seguinte seria encontrada na sua cama, rodeada pelos seus gatos, morta, sem causa aparente, sem nenhum indício de morte violenta, comprimidos ou uma carta de suicídio. Nunca ninguém soube a causa da sua morte. Coincidência ou não – alguns dos seus fãs acreditam que ela queria mesmo suicidar-se, sempre o quis, mais que evidente nas suas letras, a prova mais que irrefutável desse acto– a última música que cantou tinha o titulo de “The last day of my life”, considerada uma das suas melhores músicas de sempre.
sábado, fevereiro 21, 2004
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