Uísque atrás de uísque, este tinha sido o mote da sua noite, sem ligar a despesas e ao seu estado cada vez mais embriagado. A noite não tinha sido diferente a muitas outras, começado num jantar com alguns amigos, num qualquer restaurante, de preferência barato – o que não tinha acontecido nessa noite –, depois continuado no café onde sempre parava para beber um café ou apenas como um poiso passageiro para a noite que se avizinhava longa e depois rumava ao sítio referenciado para essa noite ou aonde as pessoas o levassem.
Não me lembro de partes da noite. Que terei eu feito? Nada de mal, espero.
Desde que entrou no uísque não quis outra coisa, um atrás do outro a uma cadência própria desta bebida branca sem o grande inconveniente das constantes idas à casa de banho que a cerveja causava. Para além disso diziam que provocava menos ressaca.
Perto das duas da manhã deixou o café e rumou a uma festa privada que um amigo lhe tinha dito para aparecer. “Meu, aparece, aquilo vai ser abrir, confia em mim. Vai ser só gajas, drogas e boa música. Para além disso entras como meu convidado. Aparece mó!”. Isto convenceu-o. O problema seria convencer o outro seu amigo que teria de o levar ao tal sítio mas ainda não o sabia.
A noite corria como todas as outras, fui à tal festa privada, muita gente conhecida, boa música e muita gente conhecida. Continuei a dar no uísque e o mundo tornou-se num bom sítio para viver ou melhor, como diz aquele grupo “Earth is not a cold dead place”.
Depois de muito insistir e jurar a pés juntos que a festa estava aberta a todos os que fossem com eles, também prometia uma festa mesmo muito boa. Ainda espicaçou alguns dos amigos com promessas de gajas nuas, droga da boa e um ambiente muito fora para o que estavam habituados. “Vá lá, aquilo vai ser uma festa que nunca mais vamos esquecer” e realmente era verdade mas não propriamente por causa da festa.
A troca de olhares começou aí, um olá tímido e mais tarde uma conversa animada que cada vez mais aproximavam as duas faces. Um deu a entender ao outro, através de códigos pré-estabelecidos para aquelas situações, os seus desejos. Ainda havia uma certa falha na comunicação, na compreensão desses sinais mas nada que quebrasse aquele contacto.
A verdade era que nada sabia sobre a festa, de como seria, quem estaria por lá para além da excepção de uns quantos amigos, poucos, com quem tinha combinado lá. Encontra-la foi relativamente fácil, afinal não era privada, apenas um pouco mais secreta que uma vulgar discoteca. A casa era uma vivenda que escondia bem o que tinha por trás, umas traseiras que cresciam para baixo em três patamares e em um deles podia-se encontrar uma piscina coberta, mesmo ao lado de um bar. Infelizmente não haviam lá raparigas nuas a dançarem mas as pessoas vestidas estavam coloridas e bonitas.
Tudo acabou como previsto. Acabaram na casa dele nus e a masturbarem-se um ao outro. Nada de mal nisso excepto…
O uísque continuava pretendido e era relativamente barato. Para além disso a rapariga que vendia as senhas enganou-se generosamente com um sorriso e deu uma senha a mais escondida por debaixo da única que tinha pedido. Não se fez rogado e bebeu-o sem oferecer a mais ninguém. Reparou que a rapariga mais bonita da cidade também lá estava e como sempre alheio à sua presença, nada a que ele não estivesse habituado e que lhe estragasse a noite. Depois de beber o terceiro uísque a música começou a infiltrar-se nas conversas, nos movimentos e nos pensamentos, tudo se embrulhava e nunca mais voltava ao sítio.
…”Que vou eu dizer amanhã à minha namorada?”
Uma outra voz disse “Não te preocupes com isso agora, vais ver que tudo é mais simples do que parece neste momento. Acredita em mim que já passei pela mesma coisa. Isto está a sempre a acontecer”.
“Só se for a ti porque a mim é a primeira vez!”
“A sério? Tens um talento natural para isto. Não se notou nada.”
“Como?”
O tempo passou num ápice, quando reparou nele, ele já estava a ir embora para casa, a noite estava a acabar. Muito tinha vivido mas pouco recordava, apenas uma sensação de plenitude, de uma noite bem animada, preenchia o seu interior… à excepção da língua que também lhe percorria o interior da orelha.
“Não se notou nada. Deves ter isso escondido em ti há muito tempo, nunca reparaste em nada?”
“Achas que eu teria uma namorada se soubesse disto? Eu sou sincero, eu sempre fui sincero. Porra!”
“Calma não te exaltes, não vale a pena.”
“Para ti é fácil, já assumiste ser paneleiro há muito tempo mas eu não sou, ouviste. EU NÂO SOU PANASCÂO COMO TU. EU GOSTO MUITO DE MULHERES.”
“Sim eu acredito…he he he”
“Eu nunca pensei em pessoas do meu sexo, nunca. Isto que aconteceu ontem nunca aconteceu, percebeste, foi um erro.”
“Gostaste?”
“Interessa? Realmente não interessa porque eu não quero ser paneleiro.”
“Sim é mais fácil não assumir, ser-se infeliz e viver uma pacata ilusão de se ser heterossexual.”
“Sim.”
Umas pernas peludas roçavam as suas também peludas pernas. Um corpo viril como ao seu dançava à sua volta em movimentos sexuais. Uma barba arrepiava a sua pele nas costas. O que se passava? Não interessava.
“Vai-te embora!”
“Dás-me boleia?”
“Não tenho carro” mentiu ele.
“OK, mas não posso ficar mais um pouco? Estou cansado.”
“Não, tenho umas coisas combinadas com os meus pais.”
“OK, eu já percebi. Estás-me a mandar embora.”
“Mais ou menos”
“Ao menos se te der o meu telefone dás-me uma apitadela um dia destes?”
“Claro que sim. Para as ideias no sítio.” Disse ele a tentar despacha-lo e obviamente a mentir com todos os dentes que tinha.
Acabou a noite com um homem que não conhecia de lado nenhum, sentia-se satisfeito mas confuso com esta súbita alteração na sua sexualidade. Nunca pensou sê-lo e agora o que faria? Não conseguiu adormecer, pensava no que lhe tinha acontecido. O que diria à sua namorada? O que deveria dizer à pessoa desconhecida que estava ao seu lado? Será que não tinha sido um devaneio causado pela ausência de valores no mundo moderno? Não seria uma moda dos tempos modernos onde ser-se cool era ser bissexual ou homossexual? De quem era a culpa disto tudo? Dele próprio?
Saiu e bateu a porta com bastante força ao sair, nem adeus disse. Não o incomodava isso porque quem tinha um problema nas mãos era ele. De repente lembrou-se e disse:
“Que vou eu dizer aos meus pais? Ainda têm um ataque cardíaco se lhes digo uma coisa destas. Nunca mais bebo uísque.”
A culpa era do uísque, só podia ser dele, o malvado uísque…
segunda-feira, março 22, 2004
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