sexta-feira, outubro 15, 2004

Somewhere over the rainbow

Algures sobre o arco-íris deparei-me comigo mesmo sentado no meio de nuvens, com um pequeno caderno de apontamentos sob o colo, repleto de páginas em branco ainda por escrever. Apenas faltava a inspiração e aquele parecia ser o perfeito lugar para isso. O eu que estava à minha frente apontava com uma caneta para o caderno, sem olhar para ele, enquanto procurava na neblina multicolor do arco-íris o que meter em palavras. Coloquei-me à frente de mim mesmo e perguntei como é que tinha vindo aqui parar mas eu não me respondia. Perguntei mais alto mas apenas o silêncio dedicou-me alguma atenção. De tanto tentar querer escutar uma resposta apercebi-me de uma melodia de fundo. De início demasiado escondida no silêncio para ser perceptível mas alguém elevou o volume e reconheci imediatamente aquela música, cantada por uma miúda, e dessa voz saía “somewhere over the rainbow, there up high, there’s a song…”.
Conhecia perfeitamente aquela melodia, tinha-a escutado diversas vezes quando mais novo, altura em que ainda acreditava nas promessas que se faziam para o futuro. Tudo se iria realizar e eu seria feliz o tempo todo a escutar aquela música.
Olhei para mim mesmo e agora já estava a escrever no caderno. Parecia já tê-lo meio repleto de palavras que formavam contos, histórias e estórias, poesia ou meras impressões pessoais, das quais algumas reconhecia e outra não fazia ideia de onde as tinha retirado. Aproximei-me por detrás de mim e olhem por cima da minha cabeça para poder observar com mais atenção aquilo que escrevia, mas o eu que eu observava escrevia cada vez mais velozmente e era-me impossível perceber o que escrevia. Parecia que o eu que se deparava à minha frente se apercebia da minha existência. Percebi o que ele, o eu que via, me queria transmitir. Afastei-me para longe dele e deixei-o em paz com as suas palavras e seu arco-íris. Via-me cada vez mais pequeno sob o arco-íris. A um certo momento apenas era um ponto negro imperceptível a olho nu. Mas lá estava eu a olhar para as nuvens.
Parei um bocado a reflectir sobre o eu que tinha visto e agora não conseguia distinguir por entre as milhares de cores que um arco-íris produz e disse:
“Que belo sonho este. Espero que dure uma vida.”.

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