Senti que o meu ombro gelava. Com a mão que permanecia sobre o abrigo do cobertor tentei aquecer essa parte do meu corpo que exigia um pouco do meu calor. Antes de lá chegar ela deu-me um beijo no ombro, pressentindo que necessitava também de algum do seu calor para que me pudesse aquecer. Reparei que ela também tinha o ombro dela gelado, toquei-lhe, ela arrepiou-se, fez pele de galinha, estremeceu e soltou um pequeno suspiro.
“Bom dia!” disse eu,
Ela apenas sorriu com aqueles grandes olhos verdes, olhou-me fixamente e não disse nada. Não era preciso dizer nada.
Respondi com o meu melhor sorriso e acho que consegui ficar num patamar não muito inferior ao dela, pelo menos ela reagiu com um sorriso ainda maior.
“Está frio!”
“Pois está!” disse ela, numa voz silenciosa que era mais de gestos que de sons.
Enrolou-se sobre si mesma e encostou-se o mais possível à minha barriga e pressionou-me contra ela. Eu fiz o mesmo e adormecemos outra vez.
O bufador fazia barulho a uma cadência rítmica que existia seguramente mas que eu não conseguia atingir. Só sei que nessas alturas o ar no quarto ficava um pouco mais quente e eu conseguia respirar um pouco melhor porque a asma que o frio causava desaparecia por breves momentos. Deixava para trás o miar de gatos e enchia os pulmões com ar profundo e depois tossia para limpar as vias aéreas do catarro acumulado durante o sono. Nada disto fazia conscientemente mas também não era totalmente inconsciente porque me lembrava de cada vez que isso acontecia, talvez por isso o sono me tinha parecido curto demais ou com demasiadas vigílias intercaladas. Em todas essas vezes a imagem que guardava desses breves momentos de (in)consciência era a sua face tranquilamente a dormir, sem acordar com as minhas pequenas vigílias ou a apenas mover-se para por a palma da mão sobre os meus lábios, como que a pedir que eu ficasse quieto e lhe fizesse companhia no sono, o que eu prontamente aceitava resignado.
Dei-lhe um beijo e ela disse num sussurro “sssssshhhhhhhhiiiiiiiuuuuuu!”
Estendi a mão e ela ficou fria, tocava em algo frio, pensava que era ela. Abri os olhos e apenas vi branco há minha frente, olhei para o outro lado e estava o meu armário a fazer-me companhia. A cama tinha diminuído de tamanho e apenas uma pessoa podia dormir nela, neste caso eu. Reparei que estava sozinho, que a bomba para a asma estava na minha mão esquerda. O frio penetrou pelos meus brônquios e exigiu que eu dê-se um pouco de dilatação a eles, o que fiz prontamente através de uma bombada vigorosa. Senti-me imediatamente melhor e não pensei mais nisso. Virei a cara para o travesseiro e um odor que não era o meu saía de lá. Cheirei mais uma vez e fiquei na dúvida, quem é que tinha estado lá antes de mim? Ou se um outro alguém habitava dentro mim? Ou alguém usava o meu invólucro com o meu consentimento (in)consciente?
sexta-feira, novembro 19, 2004
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2 comentários:
Há coisas que sabiam melhor ao tocar? Como assim?
Para informação sobre os textos que aqui aparecem e transcrevo, eles têm sempre alguma base no que senti durante os dias e neste caso relacionado com asma, que na verdade não tenho ou nunca tive como crise asmática e espero nunca vir a ter mas com que já convive noutras pessoas. Mas entretanto por ter indicios de asma e dos quais pressinto quando está frio....talvez responda à tua afirmação sobre existir desvaneios sem ser asmáticos.
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