Mãos Voadoras

Apanhei estas mãos a voar no parapeito da minha antiga casa. Por coincidência também era o meu último dia naquela casa. Deixei-a após um ano e alguns meses de convivência. Apaguei quase todas as marcas que fui espalhando pelo quarto, restaram apenas alguns sinais brilhantes de fita-cola, os escritos desapareceram sob a acção de uma esponja e dois braços direitos generosos – um deles pequeno como o de um anão -, o chão assaltado por riscos brancos de uma qualquer loucura sumiram como se de um acto mágico fosse.
Restaram as memórias e as fotografias, como esta, de umas mãos, se calhar as minhas, que voavam para um outro sítio. Já me queriam dizer que “A Vida Não Pára Aqui”. Eu não discordei, mas também não concordei na altura. Continuei a arrumar-me dentro de caixotes que não pareciam ter fim. “Em quantas caixas cabem a tua vida?” Perguntaram-me uma vez… nunca cheguei a responder, talvez por medo.
Ainda aguardo por elas, as minhas mãos, que talvez por ter estado bom tempo, na altura ainda era verão, foram dar uma volta maior e quando decidiram retornar a chuva surpreendeu-as. Neste momento devem estar num outro qualquer sítio, ao abrigo da chuva, aguardando por uma alma caridosa que as ampare ou que dias melhores voltem.
By Me
Eu depois de arrumar a minha vida em caixotes, já sem forças, apenas as suficientes para conseguir respirar, fiquei sentado no meu parapeito a tentar adivinhar o caminho que elas teriam tomado e o que estariam elas a fazer. Cócegas a alguém? Levar a saia de uma qualquer jovem? Dar uma mãozinha a um cego? Bater numa qualquer porta de um desconhecido? Apertar as mãos a mãos conhecidas? A despedirem-se da cidade, palpando tudo o que vissem para guardarem-lhe uma boa memória táctil?
Nunca saberei, só quando as tornar a rever, repletas de histórias por contar, escritas nas suas mãos calejadas pelo vento.