Desde cedo que esperava, sabia que elas viriam, mais tarde ou mais cedo, apesar de pensar que apenas aos outros é que aconteciam.
Muitas vezes, enquanto dormia, a mãe dele vinha ao quarto, enquanto caminhava nas nuvens dos sonhos que raramente se recordava e dava-lhe recados, notícias, coisas triviais, que a partir de uma certa idade tornaram-se mais difíceis de assimilar, o que provocava alguns dissabores, porque depois a mãe perguntava-lhe se ele tinha feito ou se se tinha lembrado... com o tempo ganhou a técnica de dizer que estava mesmo para fazer isso ou com a desculpa que não tinha tido tempo, dito com um grande sorriso na cara, um abraço e uma beijo na testa da mãe, agora pequena. Ela franzia a testa, sem real convicção, pois derretia-se toda perante os filhos, eles sabiam e abusavam, para alegria da mãe.
Mesmo quando andava na escola, quando alguém aparecia a chamar um aluno, pensava logo nisso, mas nunca ocorreu chamarem o seu nome, talvez os seus pais nunca lhe dessem a notícia através de outras pessoas, mas nunca se sabe, os filmes criam muitas ilusões nas cabeças das pessoas. Ele adorava o cinema, os filmes americanos, não os de guerra ou terror, gostava das comédias, de um bom filme de amor, onde tudo corria mal no início, as almas gémeas andavam desencontradas, mas era mais que óbvio a sua união no fim, belo como sempre. Se tivesse nascido uma rapariga, de certeza que chorava, mas como tal não tinha acontecido, considerava que a música dos Cure, a única da qual gostava, “Boys Don’t Cry”, era uma musica cheia de sentido e aplicável ao mundo dos homens, do qual já fazia parte há alguns anos.
Outras vezes, quando ia correr, que adorava fazer porque enquanto corria pensava sobre o que lhe tinha corrido nessa semana, o que pensava melhorar na próxima, o que devia fazer sobre determinado assunto. Adorava correr e conseguir alhear-se do que se passava à volta, é por isso que nunca quis uma companhia para a suas corridas e nunca convidou ninguém. Mas também aqui, de quando a quando, pensava se alguém lhe estava a ocultar a dita informação, se tinham medo que ele não a recebesse bem, se a pessoa do lado, que o olhava de maneira estranha sabia que ele não sabia, e não conseguia parar de pensar que os outros mentiam-lhe, sem razão aparente. Parava de correr, contava até cem e os pensamentos desanuviassem vagarosamente da sua mente, juntamente com o som de cada numero proferido e no final, estava livre deles, alegre e pronto para voltar à sua corrida.
(continua)
domingo, outubro 19, 2003
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