Gustavo Nazca, quarenta e quatro anos de idade, peruano por obrigação e nazcaeño por adoração e nome.
Quarto filho de uma matilha constituída por dez irmãos. Os pais não eram os mesmos, mas era-lhe indiferente, desde que o deixassem em paz e não o aborrecem-se muito com os seus afazeres.
Como vivia a vinte e cinco quilómetros de Nazca, uma região árida a uns trezentos quilómetros de Lima, para sul e a uns cinquenta quilómetros da costa pacifica, percorria regularmente o caminho pedregoso que unia a sua aldeia à cidade, para poder frequentar a escola. Desde muito cedo que agarrou o habito de se perder por aquele deserto, onde a chuva apenas chegava duas vezes por ano, com uma duração de apenas cinco minutos, onde tornaditos eram constantes, as montanhas de diferentes cores cercavam-nos e onde misteriosos trilhos atraiam-no.
Foi numa dessas suas tardes de solidão que pela primeira vez observou aquela mulher, totalmente vestida com uma túnica branca, a vaguear, como ele, pelo deserto e seus trilhos.
Perguntou a muita gente, da sua terra e em Nazca, quem era aquela figura, mas a maioria não conhecia ou dizia que era uma alucinação sua, provocada pelo sol. Mas ele sabia que ela era verdadeira, pois já a tinha visto mais vezes durante as suas caminhadas, quando não lhe apetecia ir a escola.
Uma noite, quando já se encontrava na cama e quase a sonhar, ouviu o seu padrasto, muito agitado, a chegar a casa, tudo devido ater quase atropelado uma senhora – “Gringa Louca” -, gritava ele constantemente. “Gringa louca de branco” e não parava de perguntar porque andava ela sozinha no meio do deserto, com uma túnica branca. Que tinha aquela gringa maluca para fazer ali? “Gringa louca”.
Desde aí que a sua alucinação se materializou numa figura material de nome “Gringa Louca”. Por aquela altura já todas as pessoas das populações à volta tinham conhecimento de quem ela era. Quase toda a gente se tinha deparado com ela, pelo menos uma vez, a deambular pelo deserto.
Com o passar do tempo, foi encontrando-a com maior frequência, mas mesmo assim nunca se atreveu a falar com ela, só alguns anos mais tarde. Na verdade nunca falava com ela, apenas tinha ganho o direito de a escutar.
Ainda se recorda do dia em que trocaram as primeiras palavras. Esbarraram, literalmente, um no outro. Percorriam a mesma linha, mas em sentidos opostos, ambos alheados do que se passava à sua volta. Sozinhos, nos seus pensamentos, nem sentiram o outro aproximar-se, só quando as suas cabeças chocaram.
“Desculpe!”, disseram simultaneamente.
Ela era mais velha, bem mais velha que ele, era alemã, mas falava fluentemente castelhano. Só percebeu isso mais tarde, pois inicialmente ela mal lhe falava.
A maioria dos dias, após este acidente, apenas trocavam um mero “Olá!” e caminhavam juntos pelos mesmos trilhos. Agradava-lhe a ideia de ter alguma companhia nestas suas caminhadas, mesmo que silenciosas, mas foram-se transformando aos poucos.
Ela começou a aceitar, por completo, a sua presença ao seu lado, mas isso nunca realmente lhe proporcionou um dialogo. Ele tinha a perfeita noção, mesmo sendo novo como era na altura, quando podia falar ou quando devia ficar calado. Ela falava, sem parar, parecia que divagava em voz alta, para ele escutar. Foi aí que ouviu falar pela primeira vez num possível significado que poderiam ter essas linhas, que ele se lembrava existirem desde que nasceu, mas nunca se tinha questionada sobre quem os tinham feito e o porquê deles existirem. Nunca ninguém se tinha questionado sobre isso na sua aldeia, pelo menos que ele soubesse.
Pelos vistos, dizia ela, tinham sido feitas pelo povo Inca e que elas tinham vários significados. Para além disso, estes riscos que seguiam quase todos os dias, desenhavam figuras, que apenas podiam ser vistos do ar ou de sítios mais altos. Havia um sítio onde se podia observar uma aranha, noutro umas mãos, dizia ela, mas ele nunca realmente as viu nessa altura, não questionava nada do que ela dizia, senti-se totalmente encantado com a sua personalidade. Esses desenhos, de que ela falava, eram os animais que os deuses Incas mais estimavam e que não só cumpriam a função de homenagem a eles, como permitiam aos agricultores saberem quando deviam semear, através do posicionamento do sol sobre as linhas.
Mais tarde, quando já tinha alguma idade para pensar por si, começou a duvidar das ideias dessa sua companheira de caminhadas, sem perder o fascínio que ela exercia sobre ele. O sol deve ter-lhe torrado a cabeça, pensava ele. Devia ser por isso que passava a maioria do seu tempo a passear, há já uma década, por aquele deserto, depois de ter abandonado o seu país.
Com o aparecimento da puberdade, o número de passeios que fazia foram-se reduzindo, as namoradas exigiam tempo e os estudos passaram a ter mais peso na sua vida, pois pretendia ir para a universidade. Conseguiu entrar e por isso teve que ir para Lima estudar. Tinha escolhido arqueologia e mais especificamente sobre a cultura Inca.
O deserto tinha sido largado para trás no tempo, sem ser imaginado como um futuro, que se viria a tornar como o seu campo de estudo, os trilhos de sua infância e as teorias da “Gringa Louca”, entretanto morta e com um novo nome, Maria Reich, antecedido pela palavra arqueóloga, com direito a um museu próprio, no meio da cidade de Nasca.
quinta-feira, dezembro 25, 2003
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