Já tinha fumado metade da provisão de tabaco que tinha trazido consigo, agora só sobravam dois maços. Não pensava que durasse para a viagem toda, não era esse o objectivo, mas o problema era que apenas tinha passado metade do seu primeiro dia desta sua caminhada. Começava a preocupar-se com a falta de cigarros, como é conseguiria fornecer-se com mais?
Parou de caminhar e aproveitou para fumar e descansar, ainda faltava uns quilómetros para o primeiro acampamento. Sentou-se numa enorme pedra nua, pintada com cores cinzentas e verde musgo, tirou da sua mochila um maço de tabaco imaculado, cheirou-o, antes de abrir e num ápice já o tinha aberto, tirado um cigarro que já se encontrava nos seus lábios a fumegar. Apenas deu início a um ritual usual em si, o de abrir um maço e pouco depois o deitar no lixo, vazio.
“Era melhor perguntar ao guia?”
“Acho que sim, ele deve saber se pelo caminho existe alguém que venda cigarros.”
“OK lad!”
Depressa despachou o resto do cigarro e pelo sim e não, acendeu logo outro para a caminhada que se avizinhava.
Estava a três mil metros de altitude e mesmo sendo um fumador compulsivo, não sentia nenhuma sensação de falta de ar. Certamente a razão para isso terá sido a sua juventude saudável, sem cigarros ou álcool, um promissor futuro como avançado no seu clube de coração, destruído aos dezoito anos por uma grave lesão no tornozelo e a morte do seu irmão mais velho num acidente de viação, onde um condutor bêbado embateu no carro onde ia o irmão, depois de ter passado por um sinal vermelho, provocando a sua imediata morte.
Num ápice da sua vida via dois sonhos destruídos, ela depois, a vida, tomou um rumo inesperado. Passou do relvado para as bancadas, onde seguia um bando de hooligans, uns bons camaradas de copos e charros. Isso durou um par de anos, onde para além disso experimentou lutas com policias, outras drogas mais pesadas, a falta de dinheiro, por não ter emprego e conversas estúpidas sobre futebol e racismo.
Já não suportava os seus companheiros de borga, quase que não lhes falava e algumas vezes apetecia-lhe esmurra-los até que os seus pequenos cérebros explodissem cá para fora.
Num dia banal como os outros, passado a fazer o mesmo de sempre, em casa do pai a ver televisão, o pai disse-lhe uma frase que ele ouviu, o que já não acontecia desde a morte do seu irmão:
“Porque não te alistas na tropa? Ao menos lá ganhas uns troques, dizem que são uns bons companheiros de borga e se quiseres podes aprender lá outro ofício. Que achas disso?”
“Isso são tretas pai, que sabes tu da vida? Passas a vida a trabalhar ou à frente da televisão a beber cerveja. Que sabes tu do que se passa no mundo de hoje? E deves pensar que qualquer um, quando lhe apetece, vai para a tropa, não?”
“Apenas te disse isto porque um velho amigo meu apareceu no outro dia cá em casa. Não estavas cá porque tinhas ido com os estúpidos dos teus amigos ver a bola ou bater num qualquer velhote. Bem, isso não interessa, tu sabes o que fazes tudo o santo dia, sempre a mesma merda. Mas não interessa. Bem, esse meu amigo, que já não via há anos, é sargento no exercito, e disse-me que se eu quisesse, e é claro, se tu quisesses, te metia lá dentro e assim já não me tinha que preocupar contigo. Disse-me mais, que lá tratam bem das pessoas e se tu gostavas da borga, a vida no exercito é um dos melhores sítios para isso.”
“Esse teu amigo deve ser imaginário. The army sucks!”
Saiu de casa com um estrondo, o da porta a bater. Queria pensar sobre o assunto, mas não queria que o pai pensasse que tivesse razão. Os pais nunca têm razão. Muita coisa estava em jogo, o seu estilo de vida, tinha que deixar os seus amigos de agora, para sempre, tinha que começar a atinar e provavelmente acordar antes do meio dia e tinha que ter armas na mão. Não gostava de armas, apenas de navalhas que o ajudavam a comer maçãs – detestava a sua casca. Fora isso, era mesmo um emprego deste género que tinha em mente.
No dia seguinte partia para um qualquer quartel para dar início há sua carreira como militar, algo que nunca tinha imaginado como um futuro seu, era algo que guardava para outras pessoas. Os oito anos que por lá passou não desfraldaram as expectativas, as bebedeiras eram regulares, cada uma melhor que a outra e sempre com muitas histórias por contar, mas nunca realmente se adaptou aos exercícios de campo e a ter uma metralhadora na mão. Com vinte e nove anos, era a idade perfeita para mudar e desta vez para algo definitivo.
Como tinha sido soldado, tinha vantagem sobre as outras pessoas, os civis, se quisesse entrar na polícia, o que lhe garantia uma vida tranquila e bem remunerada. Poucas foram as suas hesitações e em pouco tempo se tornou num polícia em Birmingham, sem nenhuma arma ao tiracolo, o que lhe agradava bastante.
Deste seu passado apenas restou a compulsão por tabaco, o gosto pela bebida, alguma preparação física e algum fanatismo pelo futebol. Hoje, a três mil e poucos metros de altitude, a um dia do pior dia da caminhada, onde tinha que passar por dois cumes, um a quatro mil e duzentos metros e outro a três mil e novecentos metros de altitude, agradecia ao seu passado como futebolista e militar por lhe proporcionarem com 36 anos e uma vida de fumador inveterado, a possibilidade de fazer estas ultimas férias em sítios exóticos, antes de assentar e ter filhos.
Apagou o cigarro e apressou-se a apanhar o guia do seu grupo, pois o seu tabaco não ia durar mais que aquele dia, que já se ponha e nem sequer ponha obstáculos a ter que fumar aqueles cigarros peruanos sem filtro, muito fortes e ásperos, que não podiam ser apreciados mas sempre enganavam o vício.
quarta-feira, janeiro 07, 2004
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