Ia e vinha constantemente, era-lhe impossível estar quieto, qualquer que fosse a sua posição, sentado, deitado ou em pé. Ainda tentou dormir, mas estava sempre a abrir os olhos para ver o que se passava à sua volta.
Estava demasiado ansioso para se poder controlar, estava prestes a realizar um dos sonhos de infância. Tudo começou quando era pequeno e passava serões e serões a ver desenhos animados. Um deles era sobre um trio de miúdos, passado na América latina, que procuravam os mistérios deixados pela cultura Inca. Era uma aventura que tornou as três personagens principais amigas, pois elas não se conheciam no início dessa aventura. Havia um rapaz, meio tolo, que era um indígena da região, que tinha como conhecida uma rapariga, sem nenhum traço de mestiçagem, que desde cedo soube que estava destinada a actos grandiosos, por isso carregava metade de um medalhão ao seu peito, dado pelo seu pai. Quando lhe deu esse medalhão apenas lhe disse: “Um dia irás encontrar a outra metade e quem o possuir será o teu irmão.” A outra personagem era um rapaz, o líder do grupo, nascido em frança, que tinha partido com a sua mãe para a América latina, para realizar um instinto que desde cedo lhe surgiu no meio dos sonhos, onde passeava por uma cidade toda feita de ouro. Ele, como é óbvio, descobriu que era o irmão da rapariga, pois também transportava ao seu peito metade de um medalhão de ouro, a outra face da do dela. A história prosseguia em torno da procura da “cité d’or”, a cidade mágica e suprema dos Incas, toda ela em ouro.
Passava os dias, quando era pequeno, a sonhar com estas aventuras, como devia ser maravilhoso encontrar a famosa cidade de ouro, viajar no grande Condor de ouro, andar a fugir dos “maus” conquistadores, espanhóis e participar numa verdadeira aventura, com índios verdadeiros. Hoje, que já tinha vinte e seis anos, não acreditava mais nisso, mas sentia uma vontade quase que compulsiva de ter que visitar a última grande cidade Inca a ser descoberta, já no século XX, decorria o ano de 1911, que ficou conhecida por Machu Picchú. Ninguém sabia porque ela existia, já na altura dos espanhóis estava abandonada e mais ninguém percorria os trilhos pelos quais ansiava caminhar. O mistério sobre a cidade era denso.
“Passageiros com destino a Lima, Peru, pela companhia Ibéria, é favor de embarcarem”, dizia a senhora do altifalante. Foi o primeiro a entrar no avião, mas como não conseguia estar parado, tomou um xanax assim que se sentou, desejando que apenas acordasse em Lima. Depois, tinha que apanhar um avião para Cusco, que era um “ratito”, descansaria um dia nesta cidade situada a três mil e duzentos metros de altitude, para se ambientar à altitude e depois no dia seguinte rumava directo para o seu sonho.
Rumava para um sonho, mas mesmo assim sentia algum receio, que os seus vinte e seis anos foram criando paralelamente ao desenvolvimento da consciência de haver riscos na vida. Isso causava-lhe problemas porque começava a pensar nos possíveis problemas de habituação à altitude, à rarefacção de oxigénio e associado ao esforço físico, poderiam ser demais para ele. Para além disso, era uma fumador irregular que não praticava nenhum desporto. Assustava-o a ideia de não conseguir terminar o trilho e ter que voltar para trás, humilhado e arrasado.
Ultrapassou esses receios com uma decisão irracional, que não olhava para trás e suas consequências e ignorou por completo a existência deles. Para além disso, falou com muita gente que tinha feito o caminho Inca, que apesar de difícil nenhum deles desistiu, nem tinham visto alguém a desistir. For a isso, não iria fazer a caminhada sozinho. À sua espera, em Cusco, estavam dois amigos, de propósito, para que realizassem o seu sonho em conjunto.
“Não há de ser nada. À confiança!” dizia ele repetidamente para ele próprio ainda dentro do avião, antes de arrancar.
O sono ainda demorou uns cinquenta minutos a aparecer, ainda viu o avião sobrevoar toda península Ibérica e entrar pelo atlântico a dentro, mas progressivamente os seus olhos foram sendo tapados pelas pálpebras que se juntavam, entrando directamente no seu sonho, onde era o quarto amigo do desenho animado e passava pelas mesmas aventuras que tinha visionado naqueles longos serões do passado, especado em frente da televisão a absorver “A maravilhosa cidade de ouro”.
domingo, janeiro 04, 2004
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