sexta-feira, janeiro 16, 2004

Hostal Toñis

Com um mata-moscas na mão e uma grande vontade de matar as ditas, percorria a sala de jantar como um scanner varre uma superfície, sem lhe escapar nada.
“Perdona, mas estes bichos deixam-me louca. Perdona!”
Gostava de um dia poder passear pelos Champs Elisé, visitar a torre Eifel, a sagrada família em Barcelona, o Big Ben em Londres ou as tulipas da Holanda, onde lá tinha uma irmã a trabalhar como doméstica numa casa privada. Por mais que quisesse ir, agora só estava interessada em duas coisas, em matar as moscas e em meter conversas com os seus hóspedes, que nesse momento tomavam o pequeno almoço.
“Perdona una vez más, mas estes insectos, puta madre!”
“ZÁS!” e menos uma mosca à face da terra, sendo prontamente varrida para debaixo da porta em direcção à rua poeirenta que existia por detrás dela.
“Gostaria muito de visitar o vosso país, tal como outros na Europa. Já tive na Holanda, tenho lá uma irmã. Aquilo é que é um país, bonito, tudo bem arranjado, ordenado e toda a gente é rica. A minha irmã diz que é muito feliz lá e que já não volta.” dizia isto aos seus hóspedes, enquanto matava as moscas e pedia desculpa pelo acto grosseiro.
“Mas isto está muito melhor do que há uns anos. Desde que o terrorismo foi erradicado por aquele “Chino corrupto”, ao menos fez alguma coisa, que já se pode viajar pelo país, as pessoas já vêm à praia, jantam fora e já não passam fome. Muita coisa tem mudado nos últimos tempos.”
A senhora Toñis, diminutivo de Maria Antonieta, gostava muito de falar com os seus hóspedes, saber de onde vinham, o que faziam na vida, porque tinham escolhido a praia de Punta Negra para banharem os seus corpos e em contrapartida falava sempre um pouco da sua vida, já um pouco extensa.
“ZÁS!” e mais uma mosca morta e varrida de imediato. “Perdona!”.
Estes hóspedes eram diferentes, era raro hospedar estrangeiros por aquelas bandas, normalmente eles ficavam por Lima, a uns cinquenta quilómetros dali ou passavam pela auto-estrada mesmo ali ao lado em direcção a sítios mais turísticos do Peru. Para além da raridade, a estância balnear tinha como destinos peruanos da classe média, sem grandes possibilidades financeiras, que não procuravam a animação nocturna mas apenas um pouco de Sol, praia, mar e descanso. Os poucos turistas que por ali apareciam por engano, eram surfistas, mas esses queriam era a praia de nome Punta Hermosa, um pouco mais a norte.
“No vosso país há emprego?”
“Perdona mas.. “ZÁS!”, non me gosta las moscas. Perdona!”
Qualquer oportunidade era boa para meter um pouco mais de conversa e para além disso estes hóspedes falavam fluentemente castelhano o que fazia fluir a comunicação.
“É bonito? Agora lá é Verão?”
Continuava à procura de moscas, “ZÁS!” mesmo sabendo que não havia mais nenhuma, “Perdona!” tentando prolongar este momento matinal. Eles sorviam calmamente o seu leite com café embebendo nele torradas que mastigavam vagarosamente, fazendo tempo para que o Sol afastasse as nuvens que o impediam de dizer olá aos habitantes daquela praia. Falar com a senhora Toñi’s parecia ser um bom entretenimento para fazer passar o tempo mais depressa e tinham, pelos menos aparentemente, uma certa empatia com ela pois era atenciosa, possuía um hostal muito asseado e não era gananciosa. Estavam ali por um apontar ao calhas num mapa peruano, pelo que foi um dedo o responsável pela sua ida para lá, onde apenas tinham o desejo de descansar, antes de se despedirem, para sempre, do país.
“Quando é que pensam cá voltar? Ou nem sequer pensam em cá voltar?” perguntou a senhora Toñi’s enquanto eles encaminhavam-se para a praia, com as tolhas nos ombros, um chapéu na cabeça e um livro numa das mãos. Eles não responderam, já estavam longe demais para o fazer, mas não havia problema pois não tardava nada voltariam para o almoço e ainda ficavam mais uma noite. Haveria ainda muito tempo para meter conversa.
“ZÁS!” “Menos uma mosca nesta terra.” disse ela, já a varre-la para debaixo da porta em direcção à poeira aonde parecem estar enterradas todas as moscas lá da terra.

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