Chegou a casa a cantarolar uma música italiana que tinha aprendido há muito tempo atrás quando namorava uma “ragazza” italiana. O mais estranho é que não recordava essa música por se lembrar dessa rapariga mas para a dedicar à rapariga dessa noite, que se tinha perdido pelo caminho e tomado uma estrada diferente da dele, uma que não ia parar a sua casa.
Mais uma noite sem ninguém para aquecer o seu esqueleto, já se estava a tornar num hábito.
Ainda tentou aliciar um ex-aluno a tomar o pequeno almoço numa pastelaria, recordar os velhos tempos – em que era o seu maior terror – e contar como a vida tinha corrido. Mas nada.
Acendeu o último charro que lhe tinham posto no bolso do casaco, sentou-se no beiral que existia mesmo em frente de uma pastelaria e fez horas até aparecerem os primeiros fumos com cheiro a pão fresco – sinal que já estava aberto.
Enquanto saboreava as especiarias que tinham posto naquele saboroso charro, enviando com face de puro prazer o fumo dos seus pulmões alguns segundos depois de os ter inspirado, imagens começaram a formar-se na sua mente, não só das raparigas que deviam aquecer a sua cama como dos momentos vividos nessa noite. Definitivamente já não tinha idade para estas andanças mas teimava em não as abandonar e só se arrependia – naquele momento – em não ter pedido o número de telefone, podia ser que ela naquele preciso momento – noutra pastelaria – estivesse a fazer o mesmo, a pensar na pessoa que deixou escapar por entre os dedos, por ganância ou por ilusão de uma memória alterada. Muitas coisas lhe escapavam desde que saiu do restaurante, já com alguns uísques e bafos consumidos. Lembrava-se de um café mas que não sabia precisar onde era – ou mesmo se existia – e apenas tinha a certeza que tinha ido a uma qualquer festa académica com muita gente – assim parecia -, alguns conhecidos e muitas miúdas agradáveis à vista. Mais nada tinha restado, nem sabia como tinha ido parar ao carro do seu ex-aluno nem onde o tinha visto. Não interessava, deixou-o onde ele queria, apenas falhou na não entrega da pessoa que havia de aquecer a sua cama. RAIOS!, pensou ele, se tivesse um telemóvel e o número dele ainda lhe ligava e exigiria o resto do contrato que apenas estava na sua cabeça cheia de álcool e canabis.
Parou um bocado com os raciocínios, olhou para o charro ainda a meio e pensou:
“Já chega de ti por hoje não? Já estou a tripar em demasia.”
Cuspiu para cima da sua ponta acesa, certificou-se que tinha sido eficazmente apagado e guardo-o no meio dos cigarros que se amontoavam dentro de um maço de tabaco, encontrado num dos bolsos exteriores do seu casaco.
De seguida olhou para a porta da pastelaria e ela, como que por milagre, abriu-se naquele preciso momento, de propósito para si – assim concluío ele.
Cambaleou na sua direcção pensando no que havia de pedir. Parou e olhou-se no vidro em sua frente, não se reconheceu mas isso não lhe interessou, e perguntou a si mesmo se queria mesmo comer alguma coisa. Não respondeu e ficou à espera, em silêncio, que respondesse. Nada. A pergunta que tinha dirigido a si mesmo foi respondida com o silêncio que transmitia o seu reflexo no vidro. Voltou para trás, mirou por breves momentos o sítio onde tinha estado sentado - onde veio a encontrar o maço de tabaco que se tinha esquecido de voltar a colocar no bolso do casaco, meteu-o no sítio devido - olhou à sua voltou e escolheu o caminho que lhe pareceu ser o mais aprazível como companhia até casa.
Despediu-se da noite e voltou a cantarolar a mesma música italiana, inconscientemente, desejoso de encontrar algum corpo a aquecer a sua cama.
segunda-feira, fevereiro 16, 2004
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