Apenas restou a memória de uns olhos cerrados dentro de um sorriso rosado e uns lábios que quando pediam eram irrecusáveis.
Este novo sentimento, na verdade não era novo mas sim um reavivar de algo sentido noutra pessoa, fazia-o sentir-se um pouco estupidificado. Não gostava disso nem o desejava aos outros mas quando se lá está, por mais estranho que pareça, não se quer sair de lá. Das poucas coisas comparáveis a essa mesma sensação, é a adição da heroína. Quando se está agarrado a ela apenas se pensa quando chegará a próxima dose. Tudo se faz para a ter de volta. No entremeio, a espera é vivida com as recordações, os fantasmas e os espectros que se vão criando na cabeça.
Fechava os olhos e ela reaparecia, a da sua memória, tentava palpar no ar as suas delimitações mas do ar nunca nada sentia. A mão caía como pedra, acordava do estado de inconsciência em que tinha entrado e os olhos penetravam nas rugas que a parede mesmo à frente da sua cara apresentava. Visto de tão perto assemelhava-se a uma textura humana – quase como as dela, pensava ele.
Apagou a sua memória com um safanão forte da cabeça, semelhante ao movimento de um cão quando tenta ver-se livre da água que lhe ensopa o pelo, virou-se para o lado oposto da cama e observou languidamente a penumbra do seu quarto. Movimentos praticamente imperceptíveis do pó por si levantado davam vida a uma insignificante frecha de luz. Imediatamente lembrou-se de uma fotografia do Fernando de Lemos onde duas portas se entreabriam para um hall onde um minúsculo fio de claridade penetrava furtivamente. A câmara captou esse momento, o frágil momento onde a luz tenta vencer a escuridão ou uma referência à sensação que se produz quando alguém tentar invadir e espalhar-se pela alma de um outro mortal.
Isso lembrava-lhe da sua face.
Ela insistia em entreabrir a porta e a mostrar-se para ele com um sorriso de menina matreira que sabia fazer o que não lhe pediam mas que na verdade era o que realmente queriam dela, a atitude de menina traquinas.
“Onde estás?” pensou ele alto.
Nervosamente pegou no telemóvel à procura de alguma sms que seguramente não continha mas olhar era mais forte que ele. Era como que o pensamento e as acções do seu corpo fossem matérias totalmente separadas.
Nada!
As marcas do seu corpo permaneciam visíveis na cama. Onde antes houve uma massa encantadora agora apenas restava um grande buraco disforme, a tentar imitar – grosseiramente – a sua forma, vazio…
sexta-feira, abril 16, 2004
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