Da sua parte nunca ninguém iria saber quem ele era, melhor dizendo como ele era em termos físicos, quais eram os seus grupos favoritos, onde gostava de passar o tempo, quais foram as inspirações para os seus textos. Isso nunca! Isso era fornecer uma preconcepção do que poderia ser a obra, antes mesmo de ser lida e isso não queria ele, não nas suas obras (porque na dos outros, os outros é que mandavam). Uma vez sobre isso afirmou: “os meus livros são para ser lidos como se de um livro em branco se tratasse. Quando digo em branco quero dizer que se deve olhar para as páginas sem qualquer preconceito, sem nada esperar. Obviamente que os meus livros não são páginas em branco no sentido literal do termo mas bem que podiam ser lidos sem a indicação do seu autor. Então você pergunta: porque não faz isso? É verdade eu deveria fazer isso mas quem lhe disse que já não o faço? E quem lhe disse que o autor M. é sempre o mesmo M.? ou se quiser, se o M. não é uma multiplicidade de M.’s, tipo Mário, Marta, Maria, Manuel, Marco, Marcos, Matilde, Moisés, etc?”.
As poucas fotos que podiam ser encontradas estavam nos baús dos seus amigos, dos quais expressamente proibiu de alguma vez na sua vida darem para publicação. Depois da sua morte, alguns dos intelectuais de que M. tanto tempo criticou como provocadores de distorções da verdadeira arte de ser autor quiseram colar uma imagem aos seus textos mas nenhum amigo cedeu e nunca chegaram a atingir os seus intentos (que na opinião de M. seria seguramente de tentarem denegrir a sua imagem e descredibilizar a sua obra perante a dos outros autores com rostos. M. dizia sempre: “eu sou um autor sem rostos, as minhas palavras não têm um rostos, nem é suposto ter. Nenhuma palavra deveria ter rostos atrás de si a tentar dizer ao leitor como a deve ler. Não me associem a esses autores, a esses autores que têm a necessidade de mostrar os rostos. A partir do momento que edito os meus textos, é aí que as palavras deixam de ser minhas e deixam de ter os meus rostos.”).

A única foto encontrada no seu espólio, editada a quando de uma notícia num jornal, é uma em que se vê em contraluz o perfil de M. mas a sua figura não é muito nítida. Por mais estranho que pareça M. nunca negou a foto e até hoje nunca se soube porquê. M. sempre se negou a responder a alguma pergunta relacionada com essa foto. Alguns teóricos argumentam que a intenção de M. era apenas de confundir as pessoas com uma imagem pouco clara dele, imagem essa que por ser tão pouco nítida e onde não é possível ver como a pessoa realmente é, nunca poderia ocasionar uma preconcepção imaginária da sua pessoa, logo da sua obra. Para outros era mais que óbvio que devido à posição que M. tinha sobre a imagem preconcebida do artista, aquela foto representava o que ele queria para si mesmo, uma mera sombra das suas obras, que as suas obras eram muito maiores que a pessoa que as concebia. Ainda houveram outros que tentaram associar a fisionomia naquela foto com a imagem de pessoas conhecidas que se escondiam misteriosamente através de heterónimos ou que eram agentes secretos enviados por nações inimigas com o intento de destabilizar o país. Mas essas como outras teorias nunca passaram disso mesmo, teorias sem relação com a prática. Cada nova que surgia era apenas mais um sorriso, que os amigos que realmente tinham tido a oportunidade de o conhecer como autor e pessoa, esboçavam nas suas faces.
M. foi uma figura sui generis no mundo literário, muitas vezes incompreendido por uns, idolatrado por outros mas nenhuma das facções, seguramente, agradava ao espírito dualista que era a pessoa M., um escritor que não gostava do seu papel social como pessoa ou uma pessoa que não se revia nos escritos que o seu escritor conseguia produzir ou alguém que apenas passou na vida com o intuito de se divertir às custas de uma letra, M.!
2 comentários:
Ainda há poucos dias falei nisso. Na dificuldade que temos, depois de conhecermos o autor, de olhar a obra com os mesmos olhos. O M. seria um grande cromo mas com uma boa dose de razão. E sim, já peguei o Edgarzito ao colo, o cabelo espetado é demais. Beijinhos.
obrigado pela visita.
espero que essa estranheza de ler os textos dos amigos seja interpretavel como uma boa coisa de se ser... simplesmente amigo.
beijo
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