Na tua voz

“O teu pai morreu!”
Apenas disse aquilo. Mais nada.
Disse secamente:
“O teu pai morreu!”
Não pestanejou enquanto o dizia, pelo menos não pareceu pois ainda olhava para o telemóvel enquanto o desligava.
Foi de uma frieza impressionante, maior do que aquela que a própria morte traz a qualquer foco de vida….
“O teu pai morreu!”
Depois do meu tio me ter ligado e ter feito o estranho pedido de falar com ele…e não comigo. Ele apenas disse, enquanto desligava o telemóvel, o meu telemóvel, sem sequer olhar para mim nos olhos e…
“O teu pai morreu!”
Foda-se eu já sei que ele morreu mas oiço a tua frase vezes sem conta. Sempre a tua voz a dizer a mesma frase. Nem te deve passar pela cabeça quantas vezes por dia imagino ouvir essa frase curta, dura e incrivelmente sonora…
“O teu pai morreu!”
RAIOS! Eu sei que ele morreu mas porquê na tua voz? Sabes que sempre que te vejo a dizer alguma coisa penso que vais dizer a frase:
“O teu pai morreu!”
Quase que não tolero a tua presença por causa disso…
“O teu pai morreu!”
Lá está ela mais uma vez…
“O teu pai morreu!”
Na tua voz…
“O teu pai morreu!”
“O quê?”
“Ouviste bem. Finalmente morreu!”
“E dizes isso assim? Sem espaço entre as palavras? Sem espaço para receber a noticia?”
“Mas já sabias que isto iria acontecer mais tarde ou mais cedo. Mais vale dizer logo, que andar aos rodeios quando desde o início já te apercebeste do que eu iria dizer.”
“É verdade mas eu gosto de me iludir algumas vezes e enganar a minha mente com uma mentira que atrase a percepção da realidade. A vida é mais bela assim… menos feia.”
“Cada um é como é e cada um vê as ilusões onde as quer ver. Só elas (e cada uma) sabem onde começa ou termina a sua realidade……o teu pai morreu! Infelizmente”